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Política

Silêncio: o Parlamento está descobrindo que o Brasil não é reacionário


Impressões de que o País pende para o conservadorismo pode ter levado parte do Congresso a pensar que a população é, também, reacionária. Erro crasso.

Por Jornal Opção

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Silêncio: o Parlamento está descobrindo que o Brasil não é reacionário

Deputado Arthur Lira, presidente da Câmara | Foto: Agência Câmara

Em uma votação que durou menos de um minuto – um lampejo dos olhos -, a Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 12 de junho, a urgência na tramitação do PL 1904, que equipara o aborto acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio. A urgência significa que, para ser votada no Plenário mais rapidamente, o Projeto de Lei poderá “pular” as análises em comissões pertinentes. O que Arthur Lira, presidente da Casa e um dos articuladores da votação relâmpago de urgência do projeto, não esperava era a explosão de fúria que irrompeu na internet e pelas ruas do Brasil.

Foi uma reação instantânea: centenas de especialistas – profissionais de áreas desde a psicologia e serviço social até medicina e segurança pública -, além de celebridades, se manifestaram contra a proposta, elencando os pontos de retrocesso e crueldade que ela traria. O governo Lula demorou, mas também deu seu veredito: “Não contem com o governo para qualquer mudança na legislação atual de aborto no país”, disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em vídeo divulgado nas redes sociais.

Pelas ruas, milhares de mulheres, e homens, protagonizaram protestos em praticamente todas as capitais brasileiras e grandes cidades. A voz foi alta e ecoou em Brasília. Lira, surpreso diante da reação, decidiu “jogar para a galera”, confiante de que o resultado seria positivo para o PL. Uma enquete foi aberta no site da Câmara, e eis a sentença: 88%, equivalente a 971 mil votantes, eram contra o PL. Os favoráveis chegaram somente a 12%: cerca de 123 mil pessoas.

O barulho contra a proposta antiaborto foi tão grande que até mesmo os membros da bancada evangélica e conservadora começaram a recuar. Foi o caso da deputada federal Renilce Nicodemos (MDB-PA), que após a intensa repercussão negativa, retirou a assinatura de coautoria do Projeto de Lei 1904/24.

A resposta indignada ao PL veio até mesmo do presidente da Casa ao lado. “Quando se discute a possibilidade de equiparar o aborto, em qualquer momento, a um crime de homicídio, que é definido pela lei penal como matar alguém, isso de fato é, me perdoe, uma irracionalidade. Isso não tem o menor cabimento, não tem a menor lógica”, disse Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, que sinalizou que, se o projeto chegasse lá, não haveria absolutamente nenhuma urgência em sua análise e tramitação – muito pelo contrário.

Não deu outra. Derrotado, Lira recuou da urgência e anunciou que o PL antiaborto ficaria para o segundo semestre. Os olhos continuam atentos ao desenrolar da situação, mas alguns já leem nas entrelinhas que a proposta deve ser engavetada de vez.

Situação semelhante ocorreu com a chamada PEC das Praias. Propondo a anulação dos dispositivos da Constituição Federal que determinam que os “terrenos de marinha e seus acrescidos” pertencem à União, a Proposta de Emenda à Constituição, aprovada na Câmara em 2022 e enviada ao Senado, onde tramita hoje, volta sem alarde. Mas prática, a PEC permite o cercamento das praias, impactando o turismo e a indústria de pesca e culminando no desmatamento e assoreamento de áreas costeiras e na urbanização desenfreada de orlas.

Contudo, assim como no PL antiaborto, a população recebeu a PEC das Praias como um cão feroz recebe um homem mal-intencionado que pula o muro de uma casa para roubar. O cenário levou o senador Flávio Bolsonaro, relator da PEC – e que deu parecer favorável a ela -, à decisão de incluir no texto da proposta um artigo que cita as faixas de areia como “bens públicos de uso comum”, “sendo assegurado o livre acesso a elas e ao mar, ressalvadas as áreas consideradas de interesse de segurança definidas em legislação específica”. “Parágrafo único – Não será permitida a utilização do solo que impeça, ou dificulte, o acesso da população às praias”.

Conforme a pesquisa de opinião pública ‘A Cara da Democracia’, realizada pelo IDDC-INTC, cerca de um quinto, 22%, dos brasileiros se considera “de direita” – o dobro daqueles que se dizem “de esquerda”: 11%. Os dados podem ter levado o Parlamento a pensar, talvez, que ser de direita implica necessariamente em ser reacionário. Bem, a alta taxa de rejeição da população brasileira a projetos de retrocesso, como o PL antiaborto e a PEC das Praias, mostra que isso não poderia estar mais longe da realidade, e como diria Ednardo em uma bela canção, “eles são muitos, mas não podem voar”.

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